O sistema pós-fordista de produção não mais se assenta sobre o tipo de trabalhador requerido pela organização do trabalho taylorista-fordista[20]. O novo trabalhador requerido pela empresa flexível deve ser basicamente polivalente, ter capacidade de trabalhar em equipe, estar apto a lidar com a fragmentação, ter capacidade de aceitar novos riscos e viver sob a égide dos “laços fracos”[21].
Como observa Gollain, a mudança é mais profunda, pois forçoso é constatar que a favor da rapidez das novas transformações atuais, a empresa e o assalariado estão em vias de desaparecer como entidades que podem facilmente ser identificadas e que as diversas estratégias de utilização da força de trabalho adotadas pelas empresas nos últimos anos questionam a clivagem tradicional entre assalariado e independente.[22]
Há mesmo nisso um processo paradoxal. “As novas modalidades de contratação aproximam os assalariados do estatuto tradicional dos independentes, ao mesmo tempo, esta independência perde sua substância para os dois grupos de trabalhadores”[23]. Ou seja, exige-se cada vez mais iniciativa, criatividade e responsabilidade por parte do trabalhador assalariado. Os trabalhadores independentes, por sua vez, são instados a suportarem todos os riscos inerentes à situação.
Para Gorz, a nova tendência do capital é tornar cada trabalhador um empresário, o empresário de si. Num parágrafo denso ele mostra em que consiste este trabalhador-empresário:
A diferença entre a pessoa e a empresa, entre a força de trabalho e o capital, deve ser suprimida. A pessoa deve tornar-se por si mesma uma empresa, deve tornar-se por si mesma, como força de trabalho, um capital fixo que exige ser continuamente reproduzido, modernizado, alargado, valorizado. Nenhum constrangimento deve ser imposto de fora, ela deve ser seu próprio produtor, seu próprio empregado e seu próprio vendedor, obrigando-se a se impor os constrangimentos necessários para assegurar a viabilidade e a competitividade da empresa que ela é.[24]
Cada trabalhador-empresário é responsável pela sua produção enquanto empresário, e como tal, deve assumir as responsabilidades necessárias para que possa estar à altura de poder competir com os outros trabalhadores-empresários.
Cada um deve se sentir responsável pela sua saúde, pela sua mobilidade, pela sua capacidade de se adaptar aos horários variáveis, pela colocação em prática de seus conhecimentos. Cada qual deve gerir seu capital humano ao longo de toda a sua vida, sem deixar de investir nele com momentos de formação […].[25]
Ou seja, cada qual é responsável por sua empregabilidade. Dessa maneira a ideologia liberal consegue jogar sobre os ombros dos próprios trabalhadores o problema do desemprego. Há uma individualização das causas do desemprego. A rigor, já não há mais desemprego, pois com o fim do assalariamento, não há mais trabalhadores no sentido tradicional.
As exigências de liberdade e de autonomia queridas pelos trabalhadores vêm ao seu encontro de forma paradoxal: o que parecia libertar, na verdade, escraviza.
Notas
[20] Muitos são os autores e os estudos sobre o sistema taylorista-fordista. Cf. NEUTZLING, Inácio; KREIN, José Dari. Organização do trabalho. In: ENDERLE, Georges et al. Dicionário de Ética Econômica. São Leopoldo (RS): Unisinos, 1997b, p. 701-702; CORIAT, Benjamin. Pensar pelo avesso. Rio de Janeiro: Revan; Ed. UFRJ, 1994; TENÓRIO, Fernando G. Flexibilização organizacional: mito ou realidade? Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2000.
[21] Cf. SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999.
[22] GOLLAIN, Françoise. Une critique du travail: entre écologie et socialismo. Paris: La Découverte, 2000, p. 166.
[23] GOLLAIN, loc. cit.
[24] GORZ, André. L’Immateriel: connaissence, valeur et capital. Paris: Galilée, 2003, p. 25.
[25] GORZ, loc. cit.
Datos para citar este artículo:
André Languer. (2004). 1.2 O trabalhador pós-fordista. Revista Vinculando, 2(2). https://vinculando.org/brasil/conceito_trabalho/conceito_trabalho.html
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