Texto preparado a partir do trabalho apresentado na oficina "Agricultura orgânica e comércio justo".
Preâmbulo
A Ecocert Brasil, coerente com sua visão de mundo e de sociedade, acredita no comercio justo como forma de desenvolvimento de relações equitativas entre produtores e consumidores, especialmente de grupos de pequenos produtores que muitas vezes encontram nesse canal uma das únicas alternativas de participação e portanto de viabilização de seus empreendimentos.
Na prática a Ecocert Brasil vem de inspecionar duas organizações de pequenos produtores de Santa Catarina (APACO e BIORGA), para fins de certificação da condição orgânica dos seus produtos, Ã serem comercializados nos canais do comercio justo.
São iniciativas ainda em estágio inicial mas que despertam o interesse de outros grupos de pequenos produtores participantes das redes e canais do comercio justo, e que necessitam da certificação formal de seus produtos.
Esses produtores são igualmente participantes da Rede Ecovida de certificação participativa representando assim uma cooperação concreta entre a certificação formal, regulamentada e a certificação participativa.
Foram realizadas reuniões de trabalho visando conhecer melhor ambos os tipos de certificação: procedimentos, padrões, garantias de qualidade, documentação, rastreabilidade.
Todo o esforço foi feito no sentido de valorizar o trabalho já realizado pela Rede Ecovida e complementar os procedimentos necessários para a certificação orgânica dos produtos, destinados à exportação para mercados europeus.
Foi trabalhado um conjunto de procedimentos e formulários capazes de, a partir da experiência existente, atender as exigências dos regulamentos da agricultura orgânica e assegurar, em princípio, a certificação dos produtos.
Foi adotado o sistema de inspeção e certificação em grupo, por amostragem, acrescida de uma auditoria no Serviço de Controle Interno mantido pelas entidades dos produtores participantes do projeto, assegurando, sem perda da qualidade, uma expressiva diminuição dos custos da certificação orgânica.
Esse trabalho está chegando ao seu final e, tudo indica, terá sucesso na certificação proposta. A sobrevalorização dos produtos certificados, paga nesse caso pelos consumidores europeus, deverá cobrir com vantagem, os custos de organização do projeto e certificação. O contrato de inspeção e certificação foi firmado entre as organizações dos produtores e a certificadora. Essas mesmas organizações assumiram formalmente o reembolso dos custos de certificação junto à certificadora.
Custo da certificaçao e sua atribuçao.
Podemos dividir esse tema em três partes segundo a natureza da certificadora:
1.Certificadoras privadas, reguladas e controladas pelo Estado
Nesse caso os custos de certificação são suportados pelos produtores ou por organizações aos quais os mesmos estejam ligados (cooperativas, associações, condomínios, empresas privadas).
Quando o produtor paga individualmente os custos da certificação o mesmo é livre para dispor do certificado, isto é, pode vender sua produção certificada livremente.
Quando o custo é pago pela organização à qual o mesmo esteja ligado o produtor não é livre para dispor do certificado na comercialização dos produtos pois este é emitido em nome da respectiva organização que contratou a prestação do serviço.
Apenas a organização contratante pode no caso, mediante acordos internos, liberar a comercialização de produtos certificados à um terceiro que não ela mesma. A certificadora não tem o direito (e não deve por questões éticas) de intervir na comercialização dos produtos.
No caso da Ecocert Brasil o cálculo dos custos é efetuado de maneira transparente, em função de seus próprios custos de certificação. Os orçamentos são oferecidos aos produtores antes que os mesmos se comprometam com a realização do trabalho. Os honorários são avaliados exclusivamente em função do tempo exigido por um trabalho determinado e custos complementares associados (por exemplo: análises de laboratório). Não existe qualquer custo pelo certificado ou utilização da marca.
Para estabelecer suas tarifas a Ecocert Brasil leva em conta:
a) Tempo gasto na inspeção (lavouras / criações, transformação, comercialização)
b) Tempo de deslocamento até o local do projeto
c) Custos de eventuais análises de laboratório
d) Tempo gasto na elaboração e processamento dos relatórios e na certificação.
e) Margem destinada à : formação de pessoal, estrutura física, despesas gerais de funcionamento, reserva de segurança.
No caso brasileiro as certificadoras são constituídas sob a forma de associações sem fins lucrativos. Nos demais países, com poucas exceções, as certificadoras são sociedades de tipo limitada ou sociedades anônimas.
Neste caso, normalmente a margem sobre os custos deve ser suficiente também para reembolsar os recursos financeiros aplicados na entidade para viabilizar seu funcionamento.
As tarifas são previamente estabelecidas e iguais para todos mas os custos da certificação podem ser afetados por fatores específicos de cada projeto como: localização , nível de qualidade do controle interno,número de participantes do projeto ( no caso de certificação em grupo, por amostragem) e tipo de certificação pretendida.
O custo médio por produtor inspecionado pela Ecocert Brasil, em projetos de certificação em grupo, nos dois últimos anos , ficou entre U$ 30,00 e U$ 50,00 / produtor / ano.
A margem destinada às finalidades antes mencionadas tem sido da ordem de 10 % dos valores recebidos.
2.Certificadoras estatais
Nesse caso os custos da certificação, caso os serviços sejam oferecidos de forma gratuita aos produtores, são naturalmente suportados pelo conjunto da sociedade.
A viabilidade e/ou oportunidade de estabelecer certificadoras estatais, nacionais, vem sendo também debatida num ou noutro país, embora predomine o modelo pelo qual o Estado adota uma postura de regulação e credenciamento, sem atuar diretamente na certificação.
3.Certificação participativa em redes mantidas pelos próprios produtores
A certificação participativa, pela sua própria natureza, apresenta custos mais baixos do que a certificação formal sendo os mesmos normalmente rateados entre os produtores participantes.
A qualidade da mesma é assegurada sobretudo pelo controle social sobre o projeto em detrimento dos controles formais.
O sistema, interessante pelo comprometimento dos produtores, encontra barreiras quando se depara com as exigências dos mercados formais, regulados, que necessitam adequar-se à s legislações dos diferentes países.
Ação possível do poder público.
Em determinados países a regulamentação estabelece limites de grandeza aquém dos quais os produtores não necessitam de certificação formal. Além disso são mantidas certificadoras regionais públicas que podem atender os pequenos produtores com custos mais reduzidos, subsidiados pelos contribuintes.
A ação do Estado no sentido de apoiar especialmente os pequenos produtores que desejam certificar sua produção pode dar-se também através do subsídio à certificação realizada por certificadora privada, regulada pelo poder público, da livre escolha dos produtores.
Em países como o Brasil é importante igualmente o apoio do Estado no assessoramento aos pequenos produtores para a organização da produção e certificação orgânicas.
Construçao da credibilidade.
A credibilidade na certificação formal baseia-se essencialmente em três pilares:
a) Independência
b) Imparcialidade
c) Eficácia (rigor técnico)
O organismo certificador e seus membros não podem envolver-se com interesses outros colidentes com a inspeção e certificação.
Nesse aspecto enquadram-se por exemplo atividades de comércio de insumos ou produtos ou consultoria técnica na implantação dos projetos de produção.
Se uma ajuda na concepção dos planos de controle é possível, atuar na sua implementação caracteriza um conflito ético.
Se disponibilizar o endereço de um produtor orgânico certificado ( quando autorizado pelo mesmo) Ã um consumidor interessado, pode ser feito sem problemas, envolver-se com a comercialização caracteriza um conflito de interesses.
Assim caracteriza-se a independência de uma certificadora.
Da mesma forma a certificadora ou qualquer de seus membros não pode agir de maneiras a favorecer determinado produtor ou grupo de produtores. As regras devem ser aplicadas de forma rigorosamente equitativa.
Dessa forma caracteriza-se a imparcialidade de uma certificadora.
Finalmente, para assegurar o equilíbrio entre os pilares antes mencionados, a certificadora ou qualquer de seus membros , precisa conhecer detalhadamente os regulamentos, quais insumos são utilizáveis ou não, quais procedimentos devem ser seguidos na obtenção, acondicionamento e rotulagem dos produtos orgânicos.
Fica dessa forma caracterizada a eficácia de uma certificadora.
A qualidade está baseada na rastreabilidade total, ascendente e descendente, dos produtos certificados, que devem ser produzidos segundo os princípios e técnicas dispostos pelos diferentes regulamentos oficiais da agricultura orgânica, acrescido de análises de laboratório em caso de risco ou suspeição.
Alguns mecanismos são adotados praticamente por todos os regulamentos nacionais de agricultura orgânica, buscando assegurar a qualidade dos processos de certificação e dos produtos certificados, entre os quais:
a) Conselhos de certificação independentes, com orçamentos próprios, atualizados quanto aos regulamentos da agricultura orgânica;
b) Conselho de recursos, como instâncias independentes de reavaliação dos processos e decisões de certificação, quando os produtores ou os consumidores se julgam prejudicados por decisões tomadas;
c) Comitês Técnicos / Qualidade, que devem se manter atualizados e quanto aos regulamentos e cuidar que os mesmos sejam integralmente aplicados nos processos de inspeção e certificação.
Além disso praticamente todos os regulamentos nacionais atuais estabelecem procedimentos obrigatórios de acreditação das certificadoras, através de organismos acreditadores oficiais, delegados ou não. Normalmente
os padrões de acreditação são equivalentes a Norma ISO 065.
Processos exaustivos de auditoria são implementados antes que uma certificadora receba sua acreditação e portanto esteja habilitada à realizar as tarefas de inspeção e certificação.
Já a credibilidade na certificação participativa assenta-se especialmente no controle social dos projetos pelos próprios produtores organizados e no maior ou menor comprometimento dos mesmos com as regras estabelecidas para a produção orgânica.
O exemplo mais acabado de comprometimento pessoal com a qualidade de um produto assim obtido poderia ser encontrado nos casos em que o produtor dispõe no rótulo do produto colocado à venda, seu endereço e sua fotografia.
A ampliação da credibilidade, num ou noutro sistema, depende fundamentalmente da manutenção da qualidade dos produtos comercializados, sobre a qual os consumidores estejam conscientes.
Ela encontra seus limites e se degrada quando um controle externo deixa falhas ( na certificação formal) ou quando um produtor, por desconhecimento ou por qualquer outra motivação, deixa de cumprir com os requisitos estabelecidos para a produção orgânica ( na certificação participativa), e os consumidores acabam sendo prejudicados.
Sobre o autor: Engenheiro Agrônomo, MSc, Diretor da Ecocert Brasil
– Fim do documento.
Datos para citar este artículo:
João Augusto de Oliveira. (2004). Certificação orgânica e comercio justo em Brasil. Revista Vinculando, 2(1). https://vinculando.org/organicos/certificacion_brasil.html
Mariela Piñero dice
Hola, Mi nombre es Mariela Piñero, investigadora del Programa Autoproducción de Alimentos que trabaja con huertas urbanas de producción agroecológica y con trabajo socio-organizativo en Mar del Plata, Argentina. Estamos comenzando el proceso de certificación participativa. En este momento estamos armando un protocolo de producción agroecológica adecuado para nuestra área.
Estamos muy interesados en conocer otras experiencias para poder intercambiar.
Escribir a [email protected]
Muchas gracias
Mariela